Olá amigos do BLOG do Oigo! Hoje vou falar com vocês um
pouco sobre algumas divagações minhas a respeito de roteiros, mas
especificamente roteiro de quadrinhos.
Eu assim como muitos de vocês, quero escrever e escrevo roteiros, mas sempre
achei que falando de histórias em quadrinhos, essa era justamente uma das áreas
mais carentes de informação para se estudar.
Veja bem, aqui onde eu moro, em Fortaleza, por exemplo,
existem bons cursos de desenho, com professores que estudaram fora,
profissionais de mercado e tudo mais, mas eu nunca vi algo parecido quando o
assunto é roteiro. Nunca tive aula de roteiros com alguém que realmente tivesse
tido um estudo formal no assunto, ou seja profissional disso. Nem sequer conheço
alguém assim. O que existe são pessoas que são autodidata no estudo de
roteiros como eu, que se metem (como eu) a dar aulas sobre isso. No caminho
para aprender a coisa, acabei tendo que ensinar. É uma daquelas coisas que você
faz porque teve que fazer, "aprendeu" fazendo, e sozinho.
É claro que com a internet isso mudou alguma coisa, pois
conhecimento sobre escrita criativa agora está ai disponível pra quem quiser
ver, ou pra quem souber que existe! Ou você nunca ouviu a frase: "Você não
sabe o que você não sabe?"
Quando eu comecei a desenhar na minha infância, eu sabia que
meu desenho estava "ruim", porque eu lia revistas do homem aranha e
sabia que não estava igual, só não sabia porque. Fiquei muito tempo sem saber
porque, até que um dia alguém me disse que existiam dois assuntos chamados
Anatomia e perspectiva. Descobri os motivos pelos quais meus desenhos eram
ruins. Era isso que eu não sabia. Eu não sabia que existiam esses assuntos, que
eu não sabia nada sobre.
A mesma coisa pode ser dita sobre roteiros. Porque o
conhecimento sobre escrita dramática é meio "escondido", meio
inacessível, ninguém sabe que existe um assunto chamado Dramaturgia, que é o
que você precisa aprender, é o motivo pelo qual seus roteiros estão ruins.
Existe uma arte técnica de se contar histórias.
Da mesma forma que eu desenhava completamente por instinto,
completamente da minha cabeça quando eu não sabia da existência de anatomia e
perspectiva, eu escrevia completamente por instinto por não saber da existência
de dramaturgia. Por favor não confunda essa palavra com a escrita de novelas, é
simplesmente a palavra que eu estou usando para descrever técnicas de se contar
histórias que vem sendo usadas desde a Grécia antiga, talvez até antes.
Eu estava conversando com um amigo um dia desse sobre isso e
eu disse a ele que era exatamente isso que eu acho que falta aos quadrinhos
nacionais. Acho que a grande maioria das pessoas escreve por instinto, sem ter
nenhum tipo de conhecimento que os ajude a melhorar seus roteiros, não porque
eles não querem, mas muitas vezes porque eles nem se tocam que escrever pode
ser aprendido e aprimorado assim como
qualquer outra coisa. Eu disse ao meu amigo isso e repito: Não são desenhistas que vão salvar alma dos
quadrinhos nacionais, temos tido ótimos desenhistas a anos. Bons roteiros, isso
sim é que vai nos salvar. Essa é a única maneira que eu vejo pra nos sairmos
das duas síndromes que afetam os quadrinhos nacionais: A síndrome da
"Turma da Mônica" e a síndrome do "Super- herói nacional."
Acho que se as pessoas passassem mais tempo discutindo sobre
roteiros, e menos tempo discutindo sobre "Os destinos do quadrinho
nacional", a coisa já estaria bem melhor.
Mas é claro que isso não é como matemática, não é algo que você
lê num livro e aprende automaticamente, assim como toda técnica artística a
sabedoria está menos em aprender, e mais em saber quando usar, ou quando não
usar. E antes que alguém diga que é "artístico" fazer as coisas sem
estar baseado em regras pré- estabelecidas, sem usar coisas como arquétipos por
exemplo... Eu acho melhor saber que uma técnica existe, e portanto ter a opção
de usar ou não usar. Quando você não sabe que existe, você só tem a opção de
não usar, concordam?
Mas bem, eu não me considero um bom roteirista ainda, não
sei se me considerarei algum dia, mas posso dizer que tenho estudado o assunto,
e comecei a ver que escrever é muito mais complicado do que eu pensei
inicialmente. Mais ou menos como descobrir as linhas de fuga de
perspectiva. Acho que ter descoberto
isso é bom, porque isso quer dizer aprendizado.
Resumidamente o que existe pra mim em matéria de roteiro
hoje são três partes básicas três "momentos", em que pode ser
dividido o processo de escrita:
Parte 01- O argumento- Onde você fala o que acontece na
história efetivamente, que é mais ou menos como você fala quando conta uma
história a alguém. Você diz: "Fulano disse isso", depois aconteceu isso,
etc.
Parte 02- O que está por trás- As intenções escondidas dos
personagens, sua intenção como escritor de passar uma ideia, uma mensagem, uma
sensação. Isso pode ser algo bem simples, como por exemplo:
"Superação", "Solidão", etc... Até conceitos mais complexos.
Parte 03- O roteiro final- Pronto com as falas dos
personagens, Descrições de planos se for pra cinema, descrição de quadros se
for pra quadrinhos, descrição simplesmente se for um livro, com as falas dos
personagens, etc.
Dessas três partes, a número dois ali é justamente onde eu
acho que está o problema.
Acho que a maioria das pessoas iniciantes em escrita, eu
incluso, fazem somente a parte 01 e a parte 03, esquecendo completamente da
parte 02. E é justamente nessa parte que está o perigo, e também a recompensa.
Enquanto estudava sobre roteiros pensei que os bons roteiros
são aqueles que dão a você a ilusão de que você é inteligente. Nada a ver com
ser de verdade ou não. Isso porque quando você sente que "pegou" o
que o autor quer dizer (parte 02), isso faz com que você se sinta inteligente.
O que também não quer absolutamente dizer que você pegou o que ele quis dizer,
você pegou alguma coisa, se é o que ele quis dizer, só Deus sabe.
Agora é claro que isso é como um jogo de videogame. Se for
muito fácil vai ser frustrante, se for muito difícil vai ser igualmente
frustrante, então cabe a você esconder ou revelar na medida certa o seu ponto
número "02" citado por mim lá em cima.
Pense na primeira edição do cavaleiro das trevas do Frank
Miller:
(Oh... O Batman se sente como o Duas-Caras, ou ele é
exatamente igual ao duas caras)
A piada Mortal do Allan Moore:
(O coringa não é tão ruim, porque qualquer pessoa que
tivesse passado por aquilo teria ficado louco)
Aquela primeira parte do Daytripper:
(Você dificilmente vai conseguir fugir da influência da sua família na sua vida, seja boa ou ruim)
Aquela primeira parte do Daytripper:
(Você dificilmente vai conseguir fugir da influência da sua família na sua vida, seja boa ou ruim)
METÁFORA- É a palavra. A boa história remete a outra coisa. Porque você acha que Jesus e o Mestre dos Magos sempre falavam em parábolas e enigmas? Porque o conhecimento que você tem trabalho pra encontrar é o que fica com você, o que te é dado de mão beijada é esquecido.
O número DOIS que eu falei acima é o que eu acredito que separa os roteiros bons dos roteiros ruins. Você pensa que gosta da piada mortal porque foi uma boa História do Batman e do Coringa, mas não. Você gosta porque ela foi uma das únicas que queria dizer alguma coisa, passar um "conceito" fora da superfície do Batman e Coringa. Esse conceito:
O número DOIS que eu falei acima é o que eu acredito que separa os roteiros bons dos roteiros ruins. Você pensa que gosta da piada mortal porque foi uma boa História do Batman e do Coringa, mas não. Você gosta porque ela foi uma das únicas que queria dizer alguma coisa, passar um "conceito" fora da superfície do Batman e Coringa. Esse conceito:
"Qualquer pessoa normal ficaria louca se passasse por
experiências traumáticas?" É a história, e poderia ter sido contada de
várias formas diferentes, poderia ter sido contado por duas donas de casa, dos
esquimós, dois lixeiros, ou no caso... Um herói e um vilão.
Outra ideia que eu tinha e que foi derrubada quando comecei
a ler sobre isso é a de que quem escreve assim já senta pra escrever sabendo do
que vai falar, sabendo qual é o tema ou ideia por trás de tudo, mas não. Você
vai escrevendo simplesmente, no meio do processo a tema pode aparecer. Dai pra
frente você escreve tudo se encaixando com ele, e volta dai pra trás encaixando
tudo com ele também. Mas você tem que estar atento ao tema, quando ele se
revelar.
E como mostrar isso então? Sempre fiquei intrigado com algo
que acontecia sempre nos roteiros do House. Eu adoro a série, mas em alguns
episódios eles tinham a necessidade de fazer algum personagem dizer
literalmente o "sub-tema" da coisa, a coisa que talvez fosse melhor
você entender sozinho. Exemplo:
No episódio (que é um dos meus preferidos) Em que o Foreman
fica doente, e o House não age como normalmente agiria- Sem ter alguma ideia
louca pra salvar a vida de Foreman, como ele agiria se fosse qualquer outro
paciente, Wilson diz a House que ele está "travado" por se tratar de
uma pessoa que ele conhece, não um estranho completo, e portanto ele não teria
o distanciamento necessário para criar uma daquelas ideias mirabolantes e
arriscadas que acabariam por salvar a vida de Foreman. Explicação da ideia por
trás.
Necessária? Não sei. O que eles faziam constantemente na série na minha opinião é pegar coisas que deveriam estar na parte 02, e jogar na parte 03, no roteiro em si. Mas tudo bem, talvez fosse porque algumas coisas seriam complexas demais. Nada que atrapalhe a série.
Outra coisa bem interessante diz respeito a escrita de
diálogos. Podem achar loucura, mas eu
acabei descobrindo que escrever diálogos pode ser um trabalho bem mais próximo
do trabalho de um ator, do que do trabalho de um escritor. Quando você escreve
um diálogo, sua cabeça tem que estar funcionando completamente na "parte
02". O que você vai digitar, o que você vai fazer o personagem falar é
quase tão interpretativo quanto como se você fosse o próprio ator a dizer
aquelas falas. Porque as falas escritas também são uma interpretação. De que?
Se você perguntar... De tudo que há por trás, da personalidade do personagem,
da situação do momento da história, etc e tal. A fala tem que ser o que
inevitavelmente aquela pessoa diria naquela situação de acordo com algo que
você como autor quer passar também. É sobre isso que escritores falam quando
dizem que personagens "ganham vida" ou "se escrevem
sozinhos", claro que isso não existe. O que existe é que você conhece tão
bem aquele personagem, que o que ele diz é inevitável, ele não poderia dizer de
outra forma.
Por hoje é só galera! Vamos escrever!
DJ